As comunidades quilombolas Tiririca e de Conceição das Crioulas são exemplos de resistência
Carnaubeira da Penha / Salgueiro (PE) Na Serra do Arapuá, em Carnaubeira da Penha (PE), existe um quilombo indígena resultante da união de Plínio Madeiro, de origem africana, com Helena Pankará, da Aldeia Oiti, entre o fim do século XVIII e o início do século XIX. A história nos foi contada pelo cacique Deoclécio Manoel do Nascimento, o Roberto de Manoel Miguel. Como Plínio levou para viver no lugar outras pessoas que desejava tirar da escravidão, por quase um século prevaleceu a tradição africana, até que outros Pankará casaram com quilombolas e, na década de 1940, se começou a dançar o Toré, mantendo a tradição afrodescendente.
O cacique Roberto de Manoel Miguel mantém as duas tradições Foto: Eduardo Queiroz
Hoje, o reconhecimento do território, de 10 mil hectares, onde vivem 49 famílias (220 pessoas), está em fase de estudo pelo Incra. Apesar da proximidade cultural, o quilombo Tiririca ainda está separado do território Pankará por uma propriedade de quase mil hectares. Não muito diferente de outras comunidades tradicionais do Nordeste, os tiririqueiros vivem da agricultura familiar com renda complementada pelo artesanato. Há ainda uma parte empregada e outra que vive de aposentadoria rural ou do Bolsa Família.
Mulheres
Já o sertão central de Pernambuco abriga uma história de resistência cultural com forte participação feminina. O povoado de Conceição das Crioulas, em Salgueiro, é composto por 16 núcleos populacionais onde residem aproximadamente 750 famílias, sendo o segundo distrito em população (só perde para a sede), de acordo com Márcia Jucilene do Nascimento, das comissões e Educação e Comunicação da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas (AQCC).
Segundo relatos orais, a origem da comunidade remonta ao início do século XIX, com a chegada de seis crioulas, guiadas pelo escravo fugitivo Francisco José de Sá, que fixaram moradia na região, já habitada pelos índios Atikum. Elas arrendaram três léguas de terra, que aos poucos foram comprando graças ao cultivo e fiação do algodão. Se destaca em Pernambuco como a comunidade quilombola que mais precocemente começou a se organizar. Na década de 1980, começaram a pesquisar sobre sua história e ancestralidade, formaram uma Comunidade Eclesial de Base (CEB).
Em 2000, foi fundada a AQCC para promover o desenvolvimento da comunidade, fortalecer a organização política, a identidade étnica e cultural e lutar pela causa quilombola, considerando a realidade e a história, a valorização dos potenciais, a conscientização do povo negro da sua importância para construção de uma sociedade justa, a quebra da barreira do preconceito e discriminação racial. Atualmente, a AQCC também sedia a Comissão de Articulação Estadual das Comunidades Quilombolas de Pernambuco. O autorreconhecimento como "remanescente de quilombos" está relacionado à origem das crioulas e às relações de cooperação entre os sítios que formam a comunidade. A descendência de famílias tradicionais é resgatada para confirmar o pertencimento e a participação na história.
Segundo Márcia, a maior luta do povo ainda é pela reconquista do território, de aproximadamente 17 mil hectares, tomado pouco a pouco por grileiros. A desintrusão da primeira fazenda foi amplamente comemorada. Em 2000, Conceição das Crioulas recebeu da Fundação Cultural Palmares o título de seu território. Hoje, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é o organismo do governo federal responsável pela titulação das terras de quilombo. O título, no entanto, foi concedido sem que fossem adotadas as providências para a retirada dos ocupantes, com desapropriação e reassentamento. Por isso, em 2004, novo procedimento de titulação foi aberto.
O povoado está na Caatinga e até 1987 o algodão sustentou a economia local. Mas, com a praga do bicudo e a entrada dos fios sintéticos, a atividade decaiu. Hoje, vive principalmente da agricultura familiar e do artesanato de forma complementar. Com ações voltadas à valorização e desenvolvimento do artesanato, três recursos naturais ganharam destaque: o barro, o caroá, e o coco-catolé. Em 2001, a AQCC com o apoio da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), desenvolveu o projeto Imaginário Pernambucano na Comunidade. Por meio de oficinas de gestão de qualidade e consultorias de design, mais de 30 produtos foram criados, como as bonecas de caroá que representam suas mulheres.
Lá, foi construído um projeto de educação específica e diferenciado que destaca valores, cultura, costumes, tradições, sabedoria das pessoas mais velhas e a história dos antepassados. "No começo, não tinha livro. As pessoas da comunidade contavam a história e das pesquisas era produzido o material. Hoje, temos jornal e até uma equipe de vídeo", orgulha-se Márcia. Segundo ela, o material escolar fornecido pelo governo é visto com um olhar diferenciado: "É um erro dizer que nosso povo era escravo. Ele foi escravizado aqui. Isso dá um outro entendimento para a nossa história".
fonte: diário do Nordeste